quinta-feira, 7 de outubro de 2010

7 de Outubro

A vaidade faz-nos ajudar os outros a pensar em nós, não tanto por amor ao próximo mas para nossa satisfação pessoal. A vaidade centra as questões na nossa performance e não no bem comum. O nosso ego fica no meio, e daí vêm as palavras egoísmo e egocentrismo. Ocupamos tanto espaço em nós e fora de nós, que os outros quase não cabem na nossa vida diária, nem Deus. Eis um excerto de José Eduardo Agualusa que ilustra bem como pode ser a vaidade. O centro da questão não é o próximo, nem o seu problema. O centro passei a ser "eu, eu, e eu"... e só depois de mim é que vem o outro, quem de mim precisava.

Li a folha, fingindo um espanto que não sentia:
- Falaste com mais alguém?
- Não, professor, não falei. Não tive coragem de falar com mais ninguém. Imagina como reagiria a minha chefe? Não sei o que fazer. Só o professor me pode ajudar.
- Eu?! E porquê eu?...
- Ora, o professor sabe muito bem porquê.
Claro, eu sabia porquê, mas queria ouvi-la dizer. Sou vaidoso. Sempre fui. Em jovem, padecia de um indisfarçável narcisismo. Gostava de espelhos. Os espelhos gostavam de mim. Agradava-me posar para a objectiva das máquinas fotográficas. Depois, à medida que fui envelhecendo, passei a procurar outro tipo de espelhos. O espelho de um intelectual é a sua audiência. Uma sala cheia de alunos transforma-se, para um intelectual vaidoso, num magnífico salão de espelhos. Iara viera à minha procura porque eu fora o melhor professor que tivera em toda a vida.

José Eduardo Agualusa, in "Milagrário Pessoal"

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